O rio em que os peixes não gostam de água

Eu ouvi essa frase de um taxista falando do Rio de Janeiro. É engraçada mas é verdadeira.

Eu posso dizer que escapei bem do que houve. Saí do trabalho cedo na segunda, choveu quando eu saía da academia e só molhei os pés para atravessar a rua com uma poça d'água gigante. Ontem eu saí para trabalhar, chovia muito, vi que descia muita água pela minha rua (é uma ladeira). Cheguei na Jardim Botânico e o trânsito estava vazio num sentido, parado em outro mas com poucos carros, só ônibus. Na Lagoa eu vi um carro passando no sentido que eu ia, no outro não tinha nada. Vi que precisaria atravessar um rio para chegar ao ponto do ônibus que tinha quatro pessoas. Parei, olhei, pensei e voltei, porque ali não passava nada e talvez meu ônibus estivesse passando pela Jd Botânico. Nada, rua vazia no sentido que eu ia. Voltei para casa menos de 20 minutos depois de ter saído, pretendia esperar a coisa melhorar pra ir trabalhar mas no rádio o prefeito já avisava para ficarmos em casa e foi o que fiz. Hoje consegui chegar ao trabalho mas não sei como vai ser a volta.

Aí eu leio o antro de estupidez que são os comentários feitos no site do jornal O Globo, assim como algumas cartas dos leitores. Como tudo no país, a culpa é do governo, da prefeitura, do Lula, da Dilma. Ninguém mais além da prefeitura é responsável pelo lixo largado nas ruas, a despeito do excelente trabalho que a Comlurb faz (alguém já viu uma praia carioca ao final do dia?). Falam do sistema de águas pluviais como se esse sistema tivesse para onde drenar a água. Rios e lagoas transbordavam, a maré jogava o mar contra a cidade, a chuva não tinha para onde ir, descendo os morros e se acumulando nas partes baixas.

Boa parte da cidade do Rio de Janeiro é de aterros. O espelho d'água da Lagoa Rodrigo de Freitas é hoje um quarto do que era originalmente, todo seu entorno é de aterro, quem anda pelas ciclovias pode observar como cada vez mais a água tenta retomar seu lugar e as pistas cedem. Quando chove forte vemos as mesmas cenas repetidas: pistas da Lagoa inundadas, Jd Botânico na altura do Jóquei alagada e pessoas se pendurando nas grades do parque. Aliás, boa parte das imagens mostradas pela Rede Globo eram por ali por conta da sede de jornalismo da emissora ser no bairro. Tijuca, Aterro do Flamengo, Copacabana são outros exemplo de locais aterrados.

Nenhuma cidade do mundo estaria preparada para uma chuva como a que caiu ontem, a pior em 44 anos. Faltava luz na minha casa mas eu sabia que seria inútil ligar para a Light porque eles não teriam como chegar ao local. Pensei que ficaríamos às escuras por mais tempo mas até que a energia voltou rápido. Assim como qualquer cidadão, os carros de bombeiros, Defesa Civil, Light, Guarda Municipal tiveram dificuldade de se locomover na cidade. Carros foram abandonados nas ruas, o trânsito não fluia. O melhor que poderia ter sido feito (e não sei se foi) era que os órgãos de emergência já estivessem em prontidão pelas ruas.

Claro que quem ficou 14 horas preso no trânsito fica estressado, revoltado, procura um culpado para o que houve mas dessa vez não tem como dizer que a culpa da tragédia foi só do governo. Com algumas medidas o problema poderia ter sido reduzido, mas não acho que seria solucionado como pensam.

Ninguém quer assumir a responsabilidade pelo lixo ou por morar em encostas, o governo que limpe a sujeira. Semana passada eu fui para São Paulo e o aeroporto de Congonhas fechou enquanto estávamos no ar. Ficamos sobrevoando a cidade esperando uma oportunidade para pousar que não veio, voltamos para o Rio de Janeiro e só pude viajar no dia seguinte. Vou culpar a empresa? Absolutamente, uma companhia aérea não pode ser responsabilizada pelo mau tempo. Pelo que soube ela deu táxi e hotel para pessoas de fora do Rio que tiveram que dormir aqui, remarcou voos sem problemas, fez a parte dela. Teve quem falasse em cinco horas de chuva, que qualquer chuvinha para a cidade. Foram mais de 24 (vinte e quatro) horas de chuva forte, isso não é uma chuvinha qualquer.

Sabe como parte disso pode ser reduzido? Cada casa e edifício, comercial ou não, ter seu sistema de captação de água da chuva. Aquela água deixará de ser jogada nas ruas e no sistema de águas pluviais e reduzirá muito o problema de alagamentos. Já li que se São Paulo tivesse isso, os problemas com enchentes acabariam. Mas depende de cada um meter a mão na massa e no bolso, será que o "brasileiro solidário" está disposto a isso? Precisaria que o governo desse incentivo para que isso fosse feito, como abatimento no IPTU de construções com tal sistema. Aí sim, o povo se mexe (a propósito, meu prédio é preservado, dificilmente conseguiria fazer essa modificação, mesmo que os outros condôminos aprovassem, o que acho difícil).

Agradeço às pessoas que mostraram alguma preocupação comigo, gente de fora do Rio, perguntando se estava tudo bem.